A alimentação da população ribeirinha da Amazônia, historicamente baseada no consumo de peixes locais e nos produtos derivados da mandioca, vem sendo substituída por um cardápio com produtos enlatados. " Essas populações estão tendo acesso a uma maior variedade de produtos industrializados, que muitas vezes se enquadram dentro daqueles de uma alimentação tipo ' fast food' , nada saudável", alerta a pesquisadora Gabriela Bielefeld Nardoto, doutora em Ecologia Aplicada pela USP e professora da Universidade de Brasília (UnB).
A mudança dos hábitos alimentares foi revelada por um estudo da pesquisadora e colegas do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena), da Universidade de São Paulo (USP), em Piracicaba, em parceria com a Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e do seu Núcleo de Estudos e Pesquisas das Cidades na Amazônia Brasileira (Nepecab).
A pesquisa tem o objetivo de determinar o quanto o padrão alimentar da população residente ao longo do rio Solimões está vinculada ao acesso à economia de mercado e ao processo de urbanização. Iniciado em 2002, e em fase de conclusão, o estudo baseou-se na coleta de unhas dos moradores dessa região e em entrevistas com roteiro semi-estruturado com o objetivo de avaliar a dieta das pessoas que cederam as amostras de unha.
A pesquisadora disse que, de uma forma geral, a transição alimentar no Brasil está ocorrendo no sentido da urbanização do meio rural, isto é, a economia de consumo e a economia de excedente estão sendo substituídas pela economia de mercado, ocasionando, assim, mudanças socioculturais.
" Os principais fatores que contribuem no processo de transição nutricional ao longo do rio Solimões parecem estar relacionados tanto ao aumento do papel-moeda oriundo de diferentes programas sociais que chegam às mãos dos ribeirinhos, mas também têm um componente cultural. Com o acesso à televisão, eles acabam se identificando com os produtos valorizados no meio urbano, como a diversidade de comida processada. Obter e preparar o peixe tende a dar mais trabalho do que o frango, que já chega congelado e pronto para ser consumido. Além disso, na época das cheias dos rios, pode sair mais barato comprar o frango congelado do que pescar" , explicou.
Ela ressaltou também que as implicações desse novo hábito alimentar leva ao sedentarismo, uma vez que os ribeirinhos não gastam mais energia física para obter o alimento diário. Além disso, há um expressivo aumento no consumo de gorduras, açúcares e sal, por exemplo.
"O grande desafio está em relacionar educação e a prevenção de doenças relacionadas ao abandono progressivo dos alimentos locais e a adoção de alimentos processados" , enfatizou.
Exames de unhas revelam os tipos de alimentos consumidos
Segundo a pesquisa, a partir da informação contida nos fragmentos de unhas, é possível distinguir o que a pessoa comeu.
O segredo contido nas unhas está nos isótopos estáveis, elementos químicos iguais em número de prótons, mas com quantidades diferentes de nêutrons. Isso faz com que o mesmo elemento, como oxigênio, hidrogênio, carbono ou nitrogênio, possa ser mais leve ou mais pesado, conforme o número de nêutrons em seus átomos.
O consumo de frango e de alimentos industrializados modifica a proporção dos isótopos estáveis de dois elementos químicos encontrados na unha, o carbono e o nitrogênio. Em amostras de tecido humano, como as unhas, pode-se determinar as razões isotópicas: o delta carbono 13 e delta nitrogênio 15. Por exemplo, uma dieta rica em peixe e em produtos derivados da mandioca deve resultar em um delta carbono 13 próximo de valores entre -26% e -32%.
Já um cardápio com comida processada e carne de vaca e de frango produz um valor no intervalo dos -11% e 14%. Isso ocorre por causa das diferenças nas razões isotópicas entre as fontes alimentares. Enquanto o peixe e a mandioca refletem os valores da floresta amazônica, os alimentos processados refletem os valores dos alimentos oriundos da agropecuária (milho, pastagem, cana-de-açúcar, entre outros).
Com informações da Fapeam