" A pesquisa molecular abriu boas oportunidades para a descoberta de novos medicamentos contra o câncer. Até algumas décadas atrás, a tônica na busca de novos medicamentos anticâncer foi centrada na procura de drogas com efeito antiproliferativo. Com isso, não apenas as células malignas eram afetadas, mas também os tecidos normais que se renovam rapidamente" .
A observação é de Gilberto Schwartsmann, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e médico oncologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
Segundo o pesquisador, as chamadas quimioterapias tiveram como característica a baixa seletividade pelo câncer e a ocorrência de efeitos tóxicos em tecidos normais com alta taxa de renovação, como a raiz dos pelos, a medula óssea e as células de revestimento. Com as descobertas sobre a genética do câncer e o entendimento dos defeitos moleculares responsáveis pelo seu surgimento, tornou-se possível a identificação de vários defeitos moleculares envolvidos na gênese de alguns tipos de câncer.
" Isso proporcionou que fossem desenvolvidas estratégias de tratamento mais racionais e seletivas, dirigidas à correção de defeitos moleculares específicos. Ou seja, hoje a tônica é identificar um alvo molecular relevante, entender a função dos genes alterados, identificar as proteínas anormais resultantes destes defeitos genéticos, e buscar, com isso, novas alternativas terapêuticas que visem corrigir o impacto destes defeitos moleculares na regulação do crescimento celular" , disse Schwartsmann.
O professor destaca que, depois de várias décadas sem o surgimento de um único medicamento que aumentasse em um dia a sobrevida dos pacientes sintomáticos com doença avançada, várias novas drogas têm sido desenvolvidas nos últimos dois anos. Essas drogas mostraram atividade isoladamente e estão sendo combinadas em estudos clínicos, com resultados preliminares muito promissores, e respostas muito superiores em relação aos tratamentos convencionais do passado, que não tinham impacto claro no tempo e qualidade de vida dos pacientes.
Alternativas promissoras
Schwartsmann ressalta que as novas drogas têm resposta em torno de 40% a 50% de eficácia. Uma delas, o vemurafenib, atua bloqueando a mutação na proteína B-RAF, causadora dos melanomas. Outra, a ipilimumab, indicada para o tratamento do melanoma metastático, estimula o sistema imunológico a atacar e matar as células cancerosas.
" Na realidade, mudamos o paradigma. Hoje em dia, em câncer, passamos a fazer tratamento com drogas-alvo dirigidas a características do tumor de cada paciente, ativas em alvos relevantes naquele indivíduo específico" , avaliou Schwartsmann.
Outras alternativas promissoras destacadas são os chamados imunoconjugados, que associam um anticorpo - capaz de se ancorar seletivamente nas celulas tumorais - e um agente quimioterápico ou radioterápico.
Com isso, leva-se a uma substância com ação antitumoral direto ao local em que está o tumor. Há exemplos de sucesso em câncer de mama, com a conjugação do trastuzumab com quimioterápicos e de anticorpos anti-CD30 e quimioterápicos em doença de Hodgkin e linfomas.
Outra estratégia, de acordo com Schwartsmann, consiste na modulação e ampliação da resposta de reconhecimento de células malignas pelo sistema imunológico do paciente.
Anticorpos
" Pesquisadores do Massachusetts General Hospital, em Boston, puderam aumentar significativamente o reconhecimento imunológico de células tumorais por meio do uso de anticorpos monoclonais que bloqueiam proteínas que o tumor produz e lhe propiciam uma forma de escape e tolerância por parte de nosso sistema imunológico" , afirmou o professor.
" Com isso, o organismo passa a atacar o tumor com mais eficiência. Essa estratégia tem produzido respostas em muitos tipos de câncer refratário aos tratamentos convencionais. É uma das áreas mais promissoras para os próximos anos" destacou Schwartsmann.
O pesquisador salienta que o conhecimento crescente da complexidade dos defeitos moleculares do câncer deixa claro que as intervenções médicas em fases tardias da doença são fadadas ao insucesso, uma vez que, em razão de sua instabilidade genética, o tumor adquire progressivamente uma maior capacidade de se defender das intervenções médicas utilizadas, ou seja, produz mecanismos de resistência aos medicamentos.
" A melhor estratégia para se resolver o problema do câncer seria sobretudo a sua prevenção e detecção precoce, quando as intervenções médicas têm melhor chance de corrigir de forma permanente os defeitos moleculares presentes no tumor" , disse Schwartsmann.
Com informações da Fapesp