Uma análise de Mário Scheffer, professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), no livro Coquetel: a incrível história dos antirretrovirais e do tratamento da Aids no Brasil, aborda a evolução do tratamento da doença no Brasil.
Na primeira parte do livro, Scheffer narra a evolução dos antirretrovirais desde o surgimento do AZT (zidovudina), em 1986, até os dias de hoje e relata também a trajetória de incorporação da terapia no Sistema Único de Saúde (SUS).
Segundo Sheffer, o programa brasileiro de combate à Aids, que prevê o fornecimento universal e gratuito de antirretrovirais na rede pública, é considerado um dos mais bem-sucedidos do mundo. Mas para se adequar ao contexto atual, seria preciso dobrar o número de pacientes atendidos - possível apenas com a ampliação da oferta de testes de HIV, maior investimento em genéricos e adoção de uma postura agressiva na negociação de preços dos remédios importados.
A grande revolução
" Antes do AZT, a Aids era uma sentença de morte. Em 1991, surgem outras drogas da mesma classe e tem início a terapia dupla, ainda com benefícios efêmeros. Foi a partir de 1995, quando surgiu uma nova classe de medicamentos conhecida como inibidores de protease, que houve a grande revolução no tratamento" , afirmou.
Nessa época, continua Scheffer, descobriu-se que, ao combinar drogas com atuação em diferentes fases do ciclo de replicação do HIV, era possível controlar o vírus. Surge o conceito de coquetel e a Aids se torna potencialmente uma doença crônica.
A doença afetou no início uma população já estigmatizada e, por isso, organizada para lutar por seus direitos. " Graças à intensa mobilização das ONGs e ao ambiente político favorável, em 1996 foi tomada a decisão certa de se criar uma lei federal para reforçar a obrigação do SUS de fornecer o tratamento" , relembrou Scheffer.
O pesquisador destaca que, além de investir na capacidade nacional de produção, é preciso melhorar a negociação de preços dos medicamentos importados e discutir a possibilidade de serem quebradas novas patentes. " O Brasil hoje paga mais caro do que outros países. O Ministério da Saúde é o único comprador e, portanto, tem a faca e o queijo na mão para regular o preço."
A obra reúne pesquisas realizadas por Scheffer durante seu doutorado e pós-doutorado, este último com apoio da Fapesp e orientação do professor da FMUSP Euclides Ayres de Castilho. Agrega ainda a experiência do autor como ativista na luta contra a Aids desde 1988.