Em uma pesquisa com vistas ao desenvolvimento de tratamentos mais eficazes contra o câncer, a pesquisadora espanhola María Blasco, diretora do Centro Nacional de Investigações Oncológicas (CNIO), busca conhecer detalhes dos mecanismos do envelhecimento celular, que se iniciam após o nascimento, para aplicar o mesmo princípio no controle da doença por meio do impedimento da renovação celular do tumor.
Para isso, ela estuda o papel dos telômeros, que são a parte mais extrema dos cromossomos, responsáveis por manter a integridade e funcionalidade das células, e da telomerase, enzima responsável por manter intactos os telômeros, bem como sua capacidade de adicionar sequências específicas e repetitivas do DNA.
O estudo foi apresentado em Madri durante o " Fronteras de la Ciencia Brasil y España en los 50 años de la FAPESP" . O simpósio integra as comemorações dos 50 anos da FAPESP e reuniu em Salamanca (10 a 12/12) e em Madri (13 e 14/12) pesquisadores de instituições de ensino e pesquisa paulistas e de diferentes instituições congêneres do país ibérico.
Segundo Blasco, os genes embrionários, com características que denomina em sua pesquisa como " células onipotentes" , são capazes de reconhecer a presença, nos cromossomos, dos telômeros, responsáveis pela adição de novas sequências celulares, garantindo a renovação celular e, em última instância, a manutenção das próprias espécies.
A telomerase, que se interrompe no momento do nascimento e deixa de se expressar na maior parte dos tecidos, faz com que as células se deteriorem de maneira progressiva, com o simples passar do tempo. Esse comportamento é apontado por Blasco como uma das causas do envelhecimento.
O que ela e sua equipe tentam, agora, é descobrir como esse processo é interrompido, para reproduzir essa interrupção também nas células cancerosas, que, ironicamente, conseguem reativar o mecanismo de renovação da telomerase, tornando-se capazes de renovar constantemente seu conjunto de células tumorais e, consequentemente, manter o desenvolvimento constante da doença.
" Destino de morte"
" Quando os telômeros perdem sua capacidade de ação ocorre a morte celular. Por contraste, as células do câncer seriam imortais, precisamente, por serem capazes, de maneira aberrante, de reativar a telomerase, o que ocorre na grande maioria dos tumores humanos" , disse Blasco à Agência FAPESP.
Segundo a pesquisadora, mais de 95% dos tumores humanos têm que reativar a telomerase para escapar de um " destino de morte" , inerente às células.
A busca dos pesquisadores em Madri está concentrada em uma terapia gênica para o tratamento do câncer, mas deixa entrever uma possibilidade de conhecimento que se amplia para todo o processo de envelhecimento.
" Olhamos para esta questão porque sabemos que, ao medir a ação dos telômeros, poderemos entender como eles atuam no processo de envelhecimento celular em todos os tecidos, incluindo as células-tronco. A ação do câncer visa reativar a telomerase para interromper o processo de envelhecimento do tumor, e é esse mecanismo que pretendemos dominar" , disse Blasco.
Medição da saúde
Para o grupo do CNIO, também há evidência genética de que a telomerase é determinante para o processo de envelhecimento. " Algumas pessoas apresentam uma patologia denominada síndrome telomérica, que consiste em mutações nos genes da telomerase ou em genes importantes para seu funcionamento" , disse Blasco.
Basicamente, essas mutações levam a enfermidades que se caracterizam pela perda prematura da capacidade de regeneração dos tecidos. Por isso, a medição dos telômeros poderia ser uma maneira de medir a própria saúde, com a possibilidade de prever enfermidades e propor novos tratamentos.
Os cientistas espanhóis ainda se detêm sobre a análise, em modelos animais, da toxicidade dos materiais voltados para a reativação da telomerase, que poderiam levar ao desenvolvimento de fármacos, uma das possibilidades resultantes desses estudos.
Atualmente, a equipe de Blasco desenvolve modelos para medir o efeito da telomerase no organismo e dominar processos que sirvam para aumentar o período de vida saudável, ou seja, tornar as pessoas menos suscetíveis a enfermidades.
" Os genes se encarregam de eliminar as células doentes. Ao dominarmos esse processo, poderíamos aumentar a telomerase e, consequentemente, desenvolver estratégias terapêuticas para aumentar o tempo de vida livre de doenças" , disse.