O provável poder médico, que para alguns teóricos é incontestável e abominoso, ocupou a mente de muitos pensadores brilhantes deste e de muitos séculos passados na tentativa de entendê-lo e sobretudo de anulá-lo. Michael Foucault, uma das referencias desta cruzada contra os médicos e a medicina, pregava que todos, indistintamente, buscam o poder. E que os médicos sobretudo, o exerciam de forma tirânica, decidindo quem permaneceria no convívio da sociedade e quem dela seria alijado, para ser confinado em sanatório ou hospício, promovendo portanto uma segregação social conveniente à época.
A Reforma Sanitária foi um movimento que nasceu no meio acadêmico no inicio dos anos 70 como oposição técnica e política ao regime militar, sendo logo encampada por outros setores da sociedade e por partidos políticos. Teve seu apogeu com a 8ª Conferência Nacional de Saúde que acabou implantando o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde-SUDS, precursor do SUS e que determinou as bases para consagrar na Constituição de 1988 a seção "Da Saúde", determinando que a saúde é um "direito de todos e dever do estado". Determinou igualmente que o controle social, representado pelos Conselhos de Saúde e outras formas de organizações sociais regulariam o sistema, deslocando o cidadão da condição de objeto(paciente) para a condição de sujeito do sistema.
Após a Reforma Universitária de 1968, o ensino superior privado que surgiu com o fim do regime militar acaba se convertendo em um sistema estruturado nos moldes de empresas educacionais voltadas para a obtenção de lucro econômico e para o rápido atendimento de demandas do mercado educacional. Esse novo modelo cria cursos superiores para profissões de nível secundário, sobretudo na área de saúde, como fisioterapeutas, massagistas, optometristas, etc., absorvendo grandes contingentes de vestibulandos excedentes, oportunizando enormes lucros às instituições privadas.
Existem outros fatores, mas o espaço permite examinar apenas estes: A reforma sanitária que criou o SUS e o controle social não previu que o processo serviria para hegemonizar grupos políticos e técnicos governamentais na gestão do sistema. O uso corporativo e politico de seus interesses, distintos daqueles que a população efetivamente necessita, determina que a Saúde Pública enfrente uma das piores crises de nossa história.
A Reforma Universitária promoveu os antigos integrantes das equipes de saúde. Agora todos detentores de títulos superiores já não prestam serviços auxiliares aos médicos, mas como eles, e com eles, integram uma equipe multidisciplinar, onde todos pretensamente são iguais tecnicamente e, portanto todos podem tudo.
Desta forma vai se construindo lenta e caprichosamente um senso comum, uma disposição e um desconceito contra os médicos, ao ponto da proposição da regulamentação da profissão médica, a chamada Lei do Ato Médico, gerar uma explosão de rebeldia e assombro na mídia, nos parlamentos e na sociedade.
Para arrematar, a política oficial decidiu que as mazelas da saúde pública são determinadas pelos médicos, que são poucos(?), preguiçosos e ricos.