Pesquisa desenvolvida no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) revela que duas religiões brasileiras, a Umbanda e o Santo Daime (que faz uso sacramental da bebida psicoativa Ayahuasca), influenciam na saúde mental e física. Ambas apresentam rituais fundamentados em práticas de estados diferenciados de consciência. A comunidade religiosa, provedora de apoio emocional, material e afetivo, pode também ser compreendida como uma comunidade terapêutica para as condições psicológicas estressantes.
Para destacar a relação entre religiosidade e saúde, a pesquisadora responsável pelo estudo, a psicanalista Suely Mizumoto, fez suas observações a partir das condições de saúde e de indicadores de bem estar psicológico e social dos membros envolvidos na pesquisa.
Entre diversas constatações, adeptos do Santo Daime e da Umbanda apresentaram diferenças significativas quanto à redução da frequência de mudanças de humor e de sentimentos contraditórios, e quanto ao aumento de domínio sobre essas alterações.
As diferenças foram baseadas nas experiências anteriores e posteriores à participação nos rituais de cada religião. Quando comparados a um grupo controle, os adeptos mostraram ter maior equilíbrio de humor e emoção. Os praticantes do Santo Daime ainda revelaram ter maior domínio sobre quadros de base depressiva. Já na Umbanda, o aumento de domínio foi mais aparente em experiências de alteração de identidade.
Os adeptos podem encontrar em suas comunidades suporte em momentos de fragilidade. É comum a quem desconhece a questão do transe mediúnico temer algum tipo de aumento na mediunidade ou descontrole. No entanto, Suely diz que, " na verdade, o aprendizado que essas religiões proporcionam pode ensinar seus adeptos a ter um domínio maior quanto ao enfrentamento espiritual dessas questões, diminuindo experiências mediúnicas traumatizantes" .
Ayahuasca
Geralmente condenado, o uso da Ayahuasca mostrou associar a experiência de cura espiritual - desfrutada por participar aos rituais - a mudanças no estilo de vida dos usuários. A ruptura de velhos padrões com a adoção de outros novos e saudáveis causou reflexo no combate ao risco de dependências da nicotina, álcool, cannabis sativa e cocaína. O ritual com a Ayahuasca aumentou, em altas porcentagens, a recuperação declarada quanto ao abuso e risco de dependência para usuários das substâncias citadas.
De acordo com a pesquisa, na esfera da afetividade, a Ayahuasca serviu como uma espécie de antidepressivo, ou como a psicóloga conta, " aqueles que faziam parte dos rituais com o psicoativo diziam ter os períodos muito longos de tristeza cada vez menores e mais raros, como se a Ayahuasca fosse equivalente a um ' banho de serotonina'" . Segundo Suely, "é possível que a busca por uma religião que faça uso da ayahuasca possa resultar em efeitos terapêuticos para aqueles vulneráveis a quadros bipolares ou à depressão" .
Contribuições
Não há, até o momento, a precisão da verificação dos resultados apresentados e correlacionados nas comunidades estudadas. Com o tema de sua dissertação, Suely espera incentivar os estudos acerca do psicoativo Ayahuasca e os benefícios a ele associados, em especial, ao seu potencial terapêutico para o tratamento de dependências. Ela buscou amenizar os preconceitos com as religiões afro brasileiras. A Umbanda é um exemplo de religião que trabalha exclusivamente na arte do ensino da prática mediúnica, não faz uso de psicoativos, mas mesmo assim pode ser não bem interpretada. Não havendo nocividade nestas práticas, a relação entre religião e saúde, mais bem esclarecida por esta pesquisa, pode ajudar a desconstruir muito do senso comum que envolve a religiosidade no país.
Com informações da USP