A aprovação do Truvada como primeira pílula para prevenção do HIV, nos Estados Unidos, não altera as estratégias brasileiras contra a epidemia, afirma o infectologista Ronaldo Hallal, coordenador de cuidado e qualidade de vida no Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde.
Hallal argumenta que, apesar da recém aprovação da Agência Federal de Alimentos e Medicamentos (FDA) dos EUA, não está claro, ainda, como isso seria aplicado em uma ação de saúde pública no Brasil. " Para a transposição de evidências em ensaios clínicos para a vida real há uma grande distância" , comentou. " Há também algumas controvérsias sobre o uso do Truvada na prevenção. Em mulheres, por exemplo, parece não mostrar muita eficácia" .
O representante do Departamento de Aids afirma que as prioridades atuais do País ainda são o incentivo ao preservativo, a redução de danos para usuários de drogas e álcool, o diagnóstico precoce do HIV e até mesmo a profilaxia pós-exposição, que ao contrário da pré-exposição (realizada com o uso do Truvada), prevê a terapia antirretroviral depois de uma situação de risco.
Para o infectologista e pesquisador Esper Kallas, no entanto, a aprovação pelo FDA é um avanço na luta contra a disseminação do HIV e acrescenta mais uma ferramenta para o combate da pandemia de aids.
" Não acho que a profilaxia pré-exposição deva ser usada indiscriminadamente na população. Nesse caso, os riscos e efeitos colaterais da medicação ultrapassariam os benefícios. Mas se usado em grupos específicos, os benefícios pesam mais do que o risco" , diz o infectologista.
Referência em assuntos relacionados à aids, Kallas ainda acrescenta que a recomendação é de que o medicamento seja usado sob supervisão médica. Desse modo, algumas pessoas não receberiam o medicamento por conta de algum efeito colateral específico. " Cada caso é um caso e deve ser estudado" , comentou.
O Truvada, que já havia sido registrado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no Brasil em maio, foi aprovado como profilaxia pré-exposição e sua eficácia chegou a até 73% entre homens homossexuais.
Esper Kallas acredita que, como os dados demonstram o efeito do medicamento, está na hora do Brasil discutir o assunto em grupos de alta vulnerabilidade, como os homens que fazem sexo com homens, as profissionais do sexo e as pessoas não infectadas em casais sorodiscordantes.
A respeito dos riscos envolvidos em tomar um medicamento sem possuir a doença, o pesquisador pontua que os estudos envolvendo o Truvada não detectaram casos de vírus mais resistentes após o uso da medicação. Segundo ele, existe um risco teórico, mas que não foi observado na prática.
Estudos questionam uso de antirretrovirais para prevenção
Os resultados de três grandes estudos realizados na África e publicados na revista científica New England Journal of Medicine levantam questões sobre que grupos se beneficiariam, e como deveria ser usados os medicamentos contra a aids para a prevenção do HIV.
Um estudo citado pela revista, que incluía casais heterossexuais sorodiscordantes (em que apenas um tem o vírus), mostrou que se reduzia entre 67% e 75% o risco de contrair a doença entre os que tomavam o medicamento.
O estudo, conhecido como Partners PrEP, foi realizado entre 2008 e 2010, em Uganda e Quênia, com mais de 4.700 casais, e ministrava aleatoriamente aos casais que não tinham a doença uma dose diária de tenofovir, uma combinação de tenofovir e emtricitabina, ou um placebo.
Outro estudo citado na publicação teve que ser interrompido em abril de 2011, porque o grupo que recebia o remédio não mostrou um nível de proteção maior do que o que recebia o placebo.
Este estudo, conhecido como FEM-PrEP, foi um teste controlado aleatório de 2.120 mulheres em Quênia, África do Sul e Tanzânia. Entre elas, 33 mulheres que faziam o tratamento contraíram a doença, contra 35 que tomavam o placebo.